quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Relação de Tempo e Espaço



Eu tinha de ir procurar um emprego – Pelo menos tem sido essa a imposição da minha avó ultimamente.  “Quer virar um vagabundo que nem o encostado do seu pai que vive de sombra e álcool na casa do seu padrinho?!” Diz ela constantemente. Só não sei se as repetições são de fato por medo de que eu me entregue ao ócio, que ela reconhece exclusivamente como preguiça – Porque minha avó também não é do tipo de pessoa que crê em “ócio produtivo”. Acho que ela pensa que os artistas famosos já vieram famosos. Prontos pra ganhar o mundo em três minutos, tipo miojo ou lasanha congelada – ou à tristeza pelo fato de já não ter mais minha mãe e meu pai, que ela não cansa de insultar, tomado pela culpa e pela vergonha de ter sido ele, aparentemente, o motivo do suicídio de sua falecida mulher. Quer dizer, na verdade eu não sei se a culpa foi dele mesmo. Segundo o que foi dito por minha avó, não restaria dúvida acerca do assunto. Ela, a culpa, é toda dele, meu pai, por suas horas trabalhadas a mais, seu descaso com o casamento, com a família, com Deus e com mais uma porrada de coisas que, sinceramente, apesar da vitrola quebrada, não consigo me lembrar.
A verdade é que minha mãe se suicidara sem se suicidar. Há um tempo - eu via - ia tomando remédios e mais remédios initerruptamente, tanto na ida, quanto na volta do trabalho – E possivelmente durante, mas eu não estava presente pra saber.  Ai, bom, de vez em quando ela subia ao terraço do prédio e fumava um cigarro de cheiro estranho e eu claramente notei que não devia se tratar de coisa boa porque, assim como criança feliz e cachorro bem cuidado, ela não sabia disfarçar quando estava fazendo coisa errada. Eu também nunca soube.
Quando o fúnebre dia veio. Hum... Digo, o dia da morte da minha mãe. Nada estava diferente dos dias anteriores. Ele começou e ameaçava terminar como a todos os outros. Minha mãe veio e me acordou para a escola com um café-com-leite bem quente. Levantei desnorteado tomando o café, deixei-o em cima da mesa e fui tomar banho. As reações do café-com-leite – Quem tem o costume de tal bebida pelo horário da manhã sabe quais são – começaram a, literalmente, explodir em meu sistema digestório. Já estava acostumado. Deixei o chuveiro ligado e fui sentar no trono onde todos são reis, rainhas, príncipes ou viciados – Essa vai para o Tobby, meu cachorro que, por motivos óbvios penso eu, ama água sanitária mais do que ama a minha vó – e fiz o serviço sentado. Levantei-me e dei aquela checadinha na obra. Voltei ao banho. Sai do banho. Fui me arrumar e antes que pudesse perguntar, como de costume, à minha mãe onde estava uma calça jeans rasgada que eu usava com tanto apreço – Porque mãe, sendo dona de casa ou não, sempre sabe dessas coisas – ela foi trabalhar com a pressa e a veracidade de uma leoa faminta, apesar de eu saber que toda essa correria se dava pelo trem, que nada mais é que um conjunto de latas ambulante que carrega seres humanos, fazendo com que estes tenham inveja dos picles, pelo espaço que lhes sobram dentro das latas de supermercado.
Terminei meus apetrechos e fui à famigerada escola. A primeira aula era geometria. Olhei o livro em minha frente, ainda fechado, que tinha uns detalhes em vermelho-sangue na capa e, partindo dai, comecei a me lembrar de um filme incrível sobre os conflitos sociais na África, sobre a exploração do povo por eles próprio e mais pelos estrangeiros, sobre a AIDS, sobre a fome... Nossa, ainda estávamos na primeira aula e meu estômago já gritava de fome. “Será que a cantina vai mudar o prato hoje?” Pensei. Não aguentava mais comer o mesmo pão, que estava sempre velho, com aquele leite sabor tudo, menos leite. Ai lembrei do café-com-leite e meu estômago deu sinais de revolta de novo. Mas segurei-me. Afinal, acho que é bem sabido entre os que já frequentaram a escola o que acontece com a vida social de quem faz seu serviço sentado no banheiro do colégio. Tirando que pelo estado do banheiro, acho que poderia até pegar AIDS só por sentar. “Hahahahaha...” Ri mentalmente da minha própria piada de mau gosto. Senti-me mal pela piada, em seguida, mas já entrando no questionamento sobre piadas e limites que ouvira tanto falar nos últimos tempos. Será que a piada tem limites mesmo ou será que é esse tal de politicamente correto que é tão babaca quanto os humoristas atuais reclamam? Sei lá, pra ser sincero. Não gostava de ser zoado na escola, senti-me mal com muitas piadas que fizeram a meu respeito, principalmente as que faziam sobre a minha cor-da-pele.
Triiiiiiiiiiiiim!
O sinal do intervalo tocou e percebi que passara três aulas perdido em meus pensamentos. O livro de geometria continuava a minha frente, ainda fechado. Pensei, já me levantando: “Queria ser e fazer tantas coisas. Escalar montanhas, fazer shows – Mesmo sem saber tocar instrumento algum – Comer de tudo um pouco, intelectualizar-me. Mas, caramba, difícil mesmo é estudar geometria.” E fui saindo.
O resto do meu tempo escolar não fugira muito disso, mas vou deixar à interpretação porque assim, talvez, na cabeça de quem me ouve ele fique mais interessante.
Voltei pra casa na hora do almoço e encontrei minha mãe conversando com o meu pai, ambos sentados em sua cama de casal e chorando com um ar desesperatório. Cumprimentei-os e esbocei uma expressão de preocupação espontaneamente, apesar de minha mãe sempre dizer que não deveria ficar me preocupando com “assuntos de adulto”, como se eu fosse feito de vidro ou algo assim. Ou como se não fosse entender por conta da idade. Mas entendi tudo. Meu pai agora estava desempregado e, enquanto comia na sala, ouvi seus berros de raiva e medo com relação às contas, aos gastos, à casa, a mim e a ela, minha mãe. Depois de um tempo de silêncio doloroso – Pra mim, ao menos, por conta da curiosidade e da angústia que já haviam tomado conta da minha cabeça – Ele se levantou e saiu dizendo que não voltaria pra casa enquanto não arranjasse um trabalho novo. Minha mãe saiu do quarto segurando o choro, acho que por minha causa, e foi se encher de remédios como sempre. Abriu a porta e foi saindo em sentido à escada que levava ao terraço. Fui atrás. Lá estava ela fumando o tal cigarro de cheiro esquisito e depois de chorar alguns minutos, começou a dançar loucamente – E perigosamente, diga-se de passagem – sobre o piso cinza que formava a laje do alto do prédio. Num segundo, quando dançava perto do abismo, não sei, sinceramente, se por desequilíbrio físico ou por emocional, caiu e, sem contrariar a equação fundamental da força na física, esparramou-se no chão, desmembrada. E lá estava eu agora olhando-a virar algo quase irreconhecível do alto do prédio, pois, claro que assim que ela caíra eu corri em direção ao vão que separa a linha tênue entre uma bela vista alta e um destino finalizado pelo chão de asfalto frio.
Pois bem, o que viera depois foi um rápido surto alcóolatra em meu pai, que foi se entocar na casa do meu padrinho e eu, agora sem ter muito pra onde ir, fui parar na minha vó. Chegando até este momento, onde conto tal relato.
- Ok, rapaz. Agora é hora do seu remédio. Nossa sessão se encerrou por hoje.
- Sessão? Hãn? Quem é a senhora? Onde está a minha avó? Onde está o Tobby?
- Só um minutinho. Levanta-se a moça que está sentada defronte a mim e vai até a porta cochichar algo com alguém. Meu Deus! Onde estou?! Que lugar é esse?! Não era aqui que eu estava a cinco minutos! Vejo paredes mal cuidadas e sujas. No teto existe uma marca de encanamento solto, como eu costumava ver próxima a mesa onde eu sentava na escola. Estou deitado sobre um sofá confortável, mas sinto uma de minhas mãos presas. Vejo uma algema no pulso esquerdo agarrada a uma cama que, apesar de não saber como, reconheço claramente. Ela, a moça, veste um jaleco e nesse momento entram dois homens enormes de cor parda, um pouco mais claros que eu, já vindo me segurando pelos braços. Grito desesperadamente uma série de frases soltas com conteúdo ininteligível. Minha cabeça parece uma montanha russa do inferno.
- Querido, tenha calma. Já fizemos isso antes, não se lembra? Vou te explicar, de novo. Sua querida vovó não está mais entre nós há mais ou menos 5 anos. Seu pai mais tarde vem ai pra te visitar. Vai ficar tudo bem.
Olho no espelho que está grudado na porta, atrás da moça, e vejo meu reflexo. Tenho uma barba enorme e olheiras mais escuras que a minha própria pele. Os olhos perdidos. Não me reconheço! O que fizeram comigo, meu Deus? Quem é esse que assumiu o meu lugar? Cadê minha avó? Cadê o Tobby? Quero ir ver minha mãe. Por quê? Por quê?
E choro desesperadamente ainda soltando urros quase irreconhecíveis, quando sinto uma picada no braço direito. Ouço de fundo uma voz masculina.
- Esse aqui não tem mais jeito, doutora. Melhor entregar pro pai ou algo do tipo. Ele já está a anos por aqui e não apresenta melhora, por mais que a senhora tente. De que adianta deixa-lo ai comendo verba do Estado? O coitado vai morrer achando que ainda tem 15 anos.
- Com todo o respeito, enfermeiro, deixe que eu cuido do meu trabalho. Deixem-no descansar e amanhã volto a vê-lo. Talvez seja diferente de hoje.
E senti meu corpo desfalecendo levemente.
Acordei. Estou em casa.
- Moleque! Já lhe disse que não o quero o dia inteiro fazendo nada. Vai acabar ficando igual ao traste do seu pai! Bêbado, desempregado e encostado.
- Mas, vó...

Fim.


(Arthur Valente)

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Origem de Todas as Guerras

A luz resplandecia em meio ao metal raro cuja cor enraizava-se no tom de preto mais escuro, de forma que a própria noite invejava sua obscuridade lúcida. Porque não era negro nos aspecto de triste, pelo contrário, a veste emanava energias tão intensas de positividade que era possível avistar uma camada de energia palpável e de dureza tamanha que a própria dureza se julgaria mole ao colidir com tal barreira.
O vento noturno soprava aos prantos e seus gritos resvalavam nas árvores imensas em volta, não só era possível ouvi-los, podia-se entendê-los de forma tão inteligível e completa que admiraria os mais célebres poetas de todos os tempos e faria os mais estudiosos da comunicação abandonarem tudo o que aprenderam. Ele os ouvia, em silêncio, e, apesar de sentir sua dor, não se deixava abater, pois sabia que em sua natureza, mergulhando à mais profunda camada de sua essência, nada podia detê-lo. Sempre existira, como o verbo, mas vinculava-se entre os substantivos, o que lhe dava caráter sólido e contraditoriamente, por ser abstrato, lhe dava o poder da maleabilidade.
A coragem transbordava por sua pele de tom pouco mais claro que a armadura que vestia e, por ter tamanha força, ultrapassava até mesmo a barreira que o circundava. Suas sobrancelhas, por tamanho e expressão, refletiam a calma e a compaixão sensível que saltavam do plano mais fundo de seu âmago, porém, sua barba era extensa e lhe conferia a credibilidade e a virilidade devida, afinal, não faltava vontade à sua personalidade e, ao mesmo tempo, bem traçada e lhe dando a estética que representava seu lado mais próximo do que poderia nomear concreto. Seus olhos eram penetrantes e sedutores como a de um rei sábio e de cor ininteligível a olhos mortais, iluminados, mas escuros, como uma luz negra ou algo do tipo.
Seu corpo era esbelto e leve, mas sua dimensão de altura era quase astral. Ele era belo e humilde e não portava armas, pois seu ataque às forças contrárias era sua resistência... Mal podia ser tocado, quem dirá morto.
Suas asas, igualmente negras, explodiam em poder existencial. Ele podia voar mais do que qualquer outro.
Era o ser mais belo que já se havia visto, de qualquer ângulo que se visse e de qualquer interpretação prévia de beleza que se tivesse, mas para cada outro que o enxergasse, sua aparência mudava e até mesmo suas dimensões se alteravam. Apesar do poder, parecia não ter controle e, como se alterava na forma, a dúvida que mais girava em torno de si, muitas vezes, era até que ponto seria palpável e, por ironia, a resposta dessa dúvida lhe dava a base da fonte de poder, ou seja, por não ser verdadeiramente concreto, apesar de realizar, por muitas vezes, ações concretas, era imbatível. Não precisava agredir porque ninguém conseguia realmente mata-lo. Ele nunca deixaria de existir, não importa o quanto tempo passasse.
Sua única fraqueza era também uma de suas forças vitais. Como se nutria somente pela existência de outros seres, quaisquer que fossem, bons ou maus, só poderia ser morto se todos, sem exceção, fossem liquidados. Um mínimo sopro de vida poderia rapidamente reacende-lo à força extrema.
Era constantemente desafiado, mas, de forma óbvia, sempre vencia pelo cansaço daqueles que os tentavam derrubar e se engrandecia ao passo que apesar de exauridos, os inimigos, por tentarem dar cabo à sua existência, permaneciam vivos, portanto, nutrindo-o com sua vivacidade.
Porém, existia um ser que podia feri-lo a tal ponto de fazê-lo provar, mesmo que não totalmente, o gosto amargo que a morte tem. Era justamente este o ser mais insistente em desafiá-lo e, sem sombra de dúvida, o único que poderia comparar-se a ele – mesmo que por motivo exclusivo de arrogância – em matéria de poder.
Tal ser portava uma armadura de tom claro que ofuscava a vista a luz do luar e irritava tanto aos olhos quanto a alma. Tinha em seu envolto também, uma camada de proteção que funcionava baseada no crescimento pela fraqueza. A medida que era almejada sem a força necessária fortificava-se e crescia, mas, caso contrário, se a força fosse suficiente, o golpe era letal a ponto de fazer com que perdesse a força, quase que totalmente, em um de seus pontos de ação.
Não que fosse o suficiente para derrubá-lo por completo, pois havia muitos pontos dentro dele capazes de atos imensamente cruéis e intensos e, desde o início dos tempos, nada conseguiu causar um dano verdadeiramente significativo às suas práticas, logo, à sua existência.
Pois sim, sua existência dependia de suas ações. Por isso era tão claro. Pois precisava ser visto e temido para alvejar a todos que virassem seus alvos. E eram muitos, senão todos os vivos, vítimas de suas agressões.
Ele tinha um ar de superioridade que aparecia visualmente através de seu nariz longo e empinado. Tinha os maxilares brutos, capazes de triturar qualquer coisa que ele se prestasse a morder e sua mordida espirrava uma substância leitosa, capaz de paralisar a vítima, desde só superficialmente, até a catatonia mais elevada. Os dentes abrangentes e manchados lhe davam o caráter justo de monstro.
Sua pele era clara como a neve e os olhos frígidos, num tom que se assemelhava a um rosa essencialmente enganador. Tinha a pele lisa, sem pelos, pois quanto o maior o frio do ambiente a sua volta, maior sua capacidade de destruir. Tinha o corpo flácido e inchado, mais pesado que toda a matéria do universo unida num só ponto.
Em uma mão carregava uma arma cuja função era machucar o adversário com raios de fisionomia delirante e insana e, na outra, segurava com firmeza uma espada com a lâmina mais afiada de todo o universo, forjada pelos ofícios do Ódio, um de seus aliados, e dada de presente a ele, por muitos auxílios prestados.
Seu peso não lhe permitia voar, mas como sua arma de curto alcance estendia-se de acordo com a necessidade, lhe era fácil atacar por quaisquer meios elementais – ar, água, terra, fogo – que fossem.
E ele vinha voraz e furtivamente. Babava num semblante tal que assustaria o pior dos psicopatas.
Do ponto mais alto do céu, o guerreiro angelical negro e imenso, ecoa uma voz benevolente e firme:
- Não adianta se arrastar como um fantasma. Bem sabes que sou o único que te reconhece a larga distância. Não existe ocasião em que possas se esconder de mim, Metus.
Sedento, o anjo branco solta um grito aterrador por entre os dentes sujos e monstruosos. Um grito tão potente que se  alastra por todo o meio e cala até mesmo a voz  atordoante da noite.
- Assustas a noite ao bel-prazer e deixa-a a deriva de seus sentimentos, mas não consegue fazer o mesmo comigo. Portanto, a não ser que seja por mera firula, não gastes mais teu fôlego, General das Legiões da Desgraça.
E então que, numa pose ereta digna de título nobre, o anjo negro abre os braços afetuosamente e sua barreira energética se expande a um nível dimensional indescritível.
- Pois venha, monstro. Não há nada que possas fazer para acabar comigo. Abro os braços, pois aceito a qualquer um meus domínios. Até tu se deixares de lado essa tua natureza nociva.
O monstro levanta a espada que quase alcança a altura do anjo benfeitor e branda um sorriso diabólico seguido de um grito histérico e esquizofrênico.
- Hoje preparei algo especial pra ti, Sper! General da Legião da Bondade, vais se arrepender de baixar a guarda para um oficial como eu! Sofrerá pela eternidade em minhas mãos, até que não possa mais resistir aos ferimentos profundos e caia para sempre!
E esgoela-se a rir.
A risada grotesca assumi um tom irônico e venenoso. Ser algum pode ouvi-la e ficar apático. A não ser, claro, Sper.
- Pois então, venha. Estou aguardando e não moverei um músculo, como de costume. Diz o General negro num lamento fúnebre por aquele espírito que o ataca, tão ignorante e maledicente.
Eis que Metus retira algo de seu bolso. Algo brilhoso que assemelha a uma pedra preciosa de uma cor amarelo-laranja reluzente. Ultrapassa todas as velocidades conhecidas pela física e desce o braço direito, usando a espada como apoio para um salto perfeito em direção ao seu inimigo. Já próximo, encosta a pedra contra o campo de força. A pedra reage grudando na barreira e, pela primeira vez, esta última é ultrapassada.
O mesmo acontece com Metus. A Pedra que antes estava em sua mão, adentra seu campo de força e cria um canal no núcleo de sua fonte de energia vital, ao passo que suga tal energia e o fere bruscamente.
Os dois criam um elo entre os núcleos e Sper passa a tentar, sem sucesso, se desvencilhar.
- O que é isso, Metus? Perdeu a noção completamente? Essa coisa fere a nós dois!
-Sim, meu caro. Esse é o sacrifício que tenho de fazer para conseguir que tu percas força constantemente e para sempre fique grudado em mim. Assim, por mais que me enfraqueça em alguns lados, esta pedra também me fortalece e me possibilita te atacar, sem trégua, até teu último suspiro.
De novo, o diabo branco emite uma risada catastrófica. O peso sinistro de seu olhar expressa uma feição semelhante a de outro anjo, Gaudiun, o senhor da alegria, mas com a diferença de criar uma mistura bizarra com a maledicência que lhe é conferida.
- Então, sua estratégia é permanecermos sempre juntos? Mas como pode? O que é esta coisa que por agora nos une e, ao mesmo tempo, nos fere?
- É conhecida como Ratio. É a ferramenta principal do progresso, mas nos une porque precisa de muita energia vital para existir e só nós temos a capacidade de fornecer a energia necessária a ela. Mas também nos fere porque a medida que é sustentada, faz com que nossas ações, muitas vezes, sejam mal interpretadas ou percam o sentido. Amaldiçoei a ti e a mim e depois de feito não há como voltar. Que comece o fim!
O Anjo branco dá uma última gargalhada e inicia o ataque. O negro continua a se manter quase intocável; E conforme o tempo passa, Ratio fica mais forte e também fortifica o elo entre os dois anjos que, na mesma proporção, enfraquecem-se.

E lutarão eternamente até que não exista mais vida, nem morte, nem nada.

Fim.


(Arthur Valente)

domingo, 17 de novembro de 2013

O Conto


As horas passavam rapidamente, mas o acumulo de trabalho cansava seu corpo e espírito. Só queria que tudo terminasse pra poder se recolher à seguridade do lar e finalmente escrever o conto que lhe daria o mérito de assumir em profissão aquilo que sempre fora sua vocação; Vocação esta que lhe era clara, mas que, para que pudesse de fato exercê-la como um profissional remunerado, ou seja, para que pudesse usá-la como seu sustento, deveria provar a um corpo de jurados mal pagos e frustrados – Justamente por não partilharem do mesmo dom que ele, apesar de terem tentado e estudado muito para tal  que seu talento com as letras ia muito além de escrever e-mails e conferir a contabilidade diária de um estabelecimento voltado à venda de alimentos e bebidas.
A pressão, de certa forma, o consumia. Mas a ideia de finalmente ter a oportunidade de transformar seu sonho – Satirizado pelo conjunto de pessoas, no qual ele nomeava como família e, ao mesmo tempo, estimulado por seus amigos, menos os invejosos, claro – em um objetivo, não só palpável, mas também posto em prática, aparentemente,em curto prazo, engrandecia sua alma e fazia com que, mesmo exaurido, retirasse forças de não sabe bem onde para se sentar e digitar linhas e mais linhas até que sua obra estivesse pronta.
Porém, não se pode deixar de lado o fato irrefutável que acompanha todos estes ditos talentosos no ramo da arte: Sempre existirá um ônus proporcional ao bônus. Assim como tudo na natureza, o equilíbrio entre as características que compõem uma matéria viva – sejam estas materiais, patológicas ou espirituais para os que creem - devem estar na mesma proporção de intensidade para que este ser seja autossustentável, para que se suporte. Logo, para cada característica considerada boa, ou mesmo dentro da própria característica boa, deve existir um lado proporcionalmente ruim. Tratando em miúdos, um talento se reconhece através de características da personalidade do indivíduo que, dependendo da situação, pode vir a se tornar uma maldição. As principais características que compõem o talento artístico são, geralmente, sentir demais e não conseguir manter por muito tempo a cabeça neste plano terreno, pois é necessário o ócio criativo –Comumente chamado de “vagabundagem” pela sociedade vigente das máquinas de trabalho desintelectualizadas, insensíveis e desumanas que, por ironia, são seres “pensantes” de carne e osso  e tais características juntas, apesar de resultarem numa vocação tão bela, numambiente de trabalho administrativo que, por base, exige atenção e frieza, podem acabar trazendo resultados catastróficos. E assim foi.
A porta do escritório se abria enquanto o jovem escritor navegava por entre os mares profundos da mente tentando concretizar em palavras - em uma história curta e, de preferência, com períodos igualmente breves -  todas a ideias ainda abstratas que pretendia desmembrar acerca do tema que escolhera. Sua cabeça funcionava com um terminal de trem bala, onde os trens eram os pensamentos que iam e vinham rapidamente, as vezes rápidos demais para deixarem qualquer rastro que pudesse ser anotado em sua velha caderneta de bolso que ele sempre carregara com o intuito de não deixar com que os melhores se perdessem de vez na imensidão profunda de seu intelecto.
- E ai, Vini?! Tá viajando pra variar, né? Cadê o relatório que eu te pedi há duas horas pra encaminhar pro contador? Tá pronto?
Era a gerente administrativa que falava ao rapaz estirado na cadeira de plástico, olhando para a tela do computador com aqueles olhos parados que seriam de igual valia na função de enxergar se estivessem fechados. Ou talvez até enxergassem mais estando no escuro.
Ela era uma mulher de estatura mediana e beleza estética reluzente, porém, com uma voz de gralha semi-esganadaque fazia questão de ecoar por todo ambiente num tom atordoante até mesmo para os que têm um problema avantajado de audição. Seu corpo era bem definido artificialmente, construído com horas e horas de levantamento de peso seguidas rotineiramente por uma dieta nutricional pré-estabelecida e tão metódica quanto aprópria personalidade da moça. Seus seios eram redondos e firmes, e suas coxas, assim como os glúteos, abundantes e que beiravam a prepotência de sua postura. Seus olhos eram verdes como uma floresta tropical, mas cheios de ódio e indiferença como aos desmatadores da região amazônica. Sua boca era pequena e rosada como de uma dama, mas suas palavras eram arrogantes e grosseiras como as de uma princesa mimada. Seus dentes eram brancos como a neve, assim como sua pele, mas seu sorriso era falso e obscuro como a de uma manhã nublada e chuvosa entre os arranha-céus. Vestia roupas caras, mas sua essência parecia não ter valor real algum. Suas sobrancelhas eram bem delineadas, mas davam-lhe expressões cruéis e maledicentes.  Seu ego era do tamanho do renome da universidade pública na qual havia se formado, mas seu conhecimento intelectual e de mundo eram pequenos e inconsistentes, como a uma escola do sertão nordestino. Por fim, ela era nada mais, nada menos, do que uma representação comum dos gestores atuais que circulam pelo mercado trabalhista supérfluo, preconceituoso e ditatorial.
Hãn? Nossa, Adri, desculpa! Esqueci completamente...Me dá cinco minutos que já resolvo isso.
Assim que o rapaz pardo, de feições tímidas e olhar já não mais vidrado no monitor, mas agora atento aos olhos contraditórios da carrasca que lhe falava, terminou a frase, um rugido monstruoso saltou de dentro daqueles lábios rosados.
- Puta merda, Vinícius! Pô, cara, toda a vez é a mesma coisa! Eu te dou a porra de uma oportunidade de emprego com salário fixo pra você conseguir dar jeito nessa sua merda de vida e sair daquele fim de mundo que você saiu e é esse resultado que você me devolve?! Tá de sacanagem, cacete?! Qual o seu problema?! Não aguento mais te pedir as coisas e você me vir com a mesma resposta... Quê que foi? Tá vindo trabalhar chapado? Tá com preguiça? Te garanto que em dois minutos arranjo outro pé rapado pra botar no seu lugar... E a porra do e-mail que eu te pedi pra mandar pro fornecedor com as mercadorias que a casa precisa? Pelo menos isso você fez ou ficou o dia inteiro olhando pro computador com essa cara de zumbi?
O que ela dizia não era bem verdade. Ele estava lá, na função do escritório, há cerca de dois meses e até aquela última semana nunca havia descumprido com as obrigações para as quais havia sido contratado. Mas, como já foi dito, a junção de pressão, cansaço acumulado e vislumbre pela oportunidade que lhe fora apresentada fizeram com que sua cabeça andasse por milhares de lugares, menos pelo foco no emprego e durante os cinco longos dias que se passaram desde que a semana começara, cometera alguns erros por, principalmente, desatenção. Mas ele tentou se manter calmo, apesar da situação, pois por pior que fosse o convívio com aquela mulher que o contratara, o dinheiro que recebia era necessário e sabia que se fosse demitido agora, ainda em experiência, além de não receber quase nada pelos dois meses trabalhados acabaria tendo de voltar para a casa de seus tios tão autoritários e agressivos que fariam sua gestora parecer um querubim sem asas.
- Desculpe-me, Adriana, novamente. Minha intenção não é prejudicar a empresa... É só que tenho andado meio preocupado com algumas coisas e...
- Eu não quero saber o que anda passando nesse seu cérebro desinstruído. No mundo real, manda quem pode eobedece quem tem juízo! Se você não gosta da função que exerce aqui e não precisa estar aqui, há quem precise! E você pode voltar pra boca do lixo na qual veio e trabalhar com servente de pedreiro ou algo assim, que até é mais a sua cara mesmo. Então, mandou o e-mail?! Deixa euchecar...
Nesse momento, ele sentiu um calafrio rasgando sua espinha, tão forte que talvez nunca tivesse sentido um assim antes, nem quando ouvia seu tio chegando em casa durante a madrugada depois de beber litros de cachaça e abrindo a fivela do cinto para bater no pobre por ter cabulado aula de novo, com a desculpa de que o colégio não supria suas necessidades artísticas, nem sua sede de conhecimento.
- Não, calma Adri. Mandei sim, mas fica calma. Vou abrir aqui pra você ver.
Ela se direciona para trás da cadeira do jovem e olha atentamente para a tela do computador.
- Cadê? Me mostra...
Ele procura o tal e-mail com as mãos trêmulas e a respiração ofegante. Demora cerca de trinta segundos que parecem, em sua cabeça, trinta minutos. Sente em sua nuca bufadas de impaciência e isso faz com que seu desespero aumente.
Finalmente acha o tal e-mail.
- Aqui está, Adri. Tudo certo, tá vendo? Mandei faz mais ou menos uma hora, agora só estou aguardando a confirmação de recebimento e a resposta do responsável com o orçamento para a compra das mercadorias. Até achei estranho que ele tenha demorado tanto. Geralmente...
Ela deu um soco na mesa com tal força que fez com que a o barulho da batida assustasse até a moça da limpeza que trabalhava do lado de fora da sala cantarolando uma música irreconhecível, a não ser para ela mesma.
- Puta que o pariu, Vinícius! Você mandou o e-mail para o fornecedor errado! Você só pode ser mesmo um imbecil! Maldita hora que eu decidi contratar favelado pra cuidar de coisa séria. Agora a gente vai ter que esperar até amanhã, sendo que o estoque de comida já está acabando. Vai, sai daqui. Não quero ver sua cara suja nunca mais e nem me venha com direitos trabalhistas! O que você fez vai dar um prejuízo à casa no mínimo três vezes maior que a sua rescisão e dê-se por satisfeito por eu não manchar sua carteira com uma justa causa. Mas nem pense que vai haver carta de recomendação daqui. Você conseguiu, seu lixo! Conseguiu me tirar do sério e ser demitido! Tá feliz?
Ela travou seus olhos fixamente sobre os dele com uma obscuridade descomunal, como um cruel inverno no extremo norte do globo, onde e quando os dias quase não existem e a esperança parece só uma palavra vazia e sem sentido.
O pobre a olhava perplexo em estado quase catatônico. Não tinha reações e se inundara com aquela crueldade e escuridão vindas tanto das palavras quanto do olhar da mulher em pé a sua frente. Sentia-se constrangido ao extremo só de pensar no fato de que todos, dos garçons e garçonetes lá em cima no restaurante, clientes e até mesmo o segurança responsável por cuidar do estabelecimento, ouviram o brado daquele monstro de pele hidratada, boca miúda e corpo escultural contra o alto, porém de autoestima baixa – que neste momento fora reduzida a nada - e magro rapaz. Sentia também um enjoo e uma angústia tão abrangentes que pareciam se sobressair ao seu frágil corpo.
Ela continuava a olhá-lo vorazmente, como um predador atroz e sanguinário que não só almeja a presa, como a despreza.
- Tá esperando o quê?! Você entendeu ou eu preciso desenhar pra ficar explícito, seu semianalfabeto?! Leva essa carcaça desnutrida que você chama de corpo promuquifo que você chama de casa antes que eu decida deixar a sua carteira de trabalho da sua cor. E ouse, só ouse me denunciar por racismo que eu te meto um processo por calúnia e roubo até o resto da sua dignidade, se é que você tem alguma! Vai, passa, passa!
Não poderia ser pior.
Ele se levantou ainda em estado de choque e foi andando mecanicamente para a saída do restaurante. Quando fechou a porta, ela ainda gritava atrocidades que iam piorando gradativamente, a ponto de nem poderem ser repetidas neste relato. Sua vista se fechou e ele mal enxergava o que estava a sua frente. Acertou o caminho para a saída por osmose e, dado o constrangimento, saiu sem se despedir dos seus colegas de trabalho. Sabia que se ele pedisse, muitos se prontificariam a ajuda-lo num processo contra a empresa na qual agora era ex-funcionário. Mas sabia também que todos, sem exceção, estavam lá por necessidade e não queria que acabassem tendo o mesmo fim que ele.
O caminho até a residência onde morava, a pé, demorava cerca de uma hora e, por isso mesmo, ele dependia do transporte público para ir e vir. Mas dada a circunstância – seu pesar por tudo que viria a seguir depois da demissão e com o emocional dilacerado, ou pior, como a um corpo vítima de um estripador sedento – foi caminhando ainda sem ver o que se passava ao seu redor. Só caminhandorobotizadamente para a casa.
Chegando em casa, sentou-se no sofá e finalmente desabou. Chorou por quase uma hora sem parar e a mescla de sentimentos podres que circundavam seu interior lhe deu milhares de ideias autodestrutivas. Mas ainda havia esperança! Ainda havia pelo o que lutar. Seu sonho se tornaria palpável e só bastava ele sentar-se a cadeira de frente ao seu computador e fazer aquilo que nascera para fazer.
Pois bem. Apesar dos sentimentos ainda estarem borbulhando como lava de vulcão e a mescla de pensamentos fazer com que seu terminal de trem bala – sua massa cinzenta – quase entrar em colapso, ele tinha uma missão de prazo curto. Até a manhã do dia seguinte seu conto deveria estar pronto para ser encaminhado via internet à sede do concurso de contos que premiaria o vencedor com uma quantia pouco mais que simbólica em dinheiro, renome mínimo para iniciar a carreira e um contrato para fazer um livro compilado com seus melhores contos. Esse era o momento dele e nem mesmo as lembranças recentes mescladas ao passado difícil que se personificavam em vozes gritantes – mais até que a voz da ex-chefe – em sua cabeça podiam impedi-lo. Ele tinha que lutar até o último suspiro para fazer valer seu talento e provar a todos os que o desmereceram que ele era grande. Mostrar ao mundo cão que ele também sabia ladrar alto, mas sem precisar esboçar um só ruído.
Sentou-se, ligou a máquina, abriu o programa de textos e começou sua jornada até o fim do conto.
Não sabia bem porquê, mas talvez toda aquela raiva abraçada a tristeza profunda que sentia pareciam tê-lo dado inspiração. As letras saltavam de seus dedos e as palavras se formavam com uma velocidade e uma habilidade digna de livro dos recordes. O conto fluía por conta própria e ele sentia espectador de si mesmo. Quatro horas e meia passaram como se fossem minutos e agora só faltava o final.
- Agora só falta o final. Pensou em voz alta.
Pois, então... Faltava o final. E toda aquela segurança e fluidez da escrita, de repente, pararam.
Pensava em milhares de finais possíveis, todos trágicos, afinal a obra é o retrato do sentimento daquele que a cria, no momento que a cria.
Mas, ao mesmo tempo, todas soavam como clichês. Sempre que uma ideia nova lhe vinha, parecia que ele a havia plagiado de algum lugar, apesar de nunca se lembrar de onde. E, na verdade, nunca se importara e fazer uso de finais “óbvios”, pois cria piamente que mais importante que a ação final, era como ela era descrita. Se tinhacoerência com o todo e lirismo proporcional com a história. Se era bem descrita e entrava em conformidade com o que fora feito até então, não importava que já tinha sido usada por outro alguém, afinal, o ser humano não se copia por querer, é que se repete mesmo, goste ou não.
Mas neste caso era diferente. Tudo, para ele, estava em jogo e não podia se dar ao luxo de dar espaço para as críticas destrutivas dos jurados. Não bastava ser incrível, como de fato era, precisava ser o melhor entre muitos outros incríveis.
A pressão ao seu redor formava uma camada que quase dava pra se ver, e ia aumentando absurdamente a cada segundo, que agora parecia simplesmente não passar.
O dia raiara há algum tempo. Era hora de enviar o conto e ele não podia mais esperar. Portanto, tomou uma decisão.
Bateu os dedos no teclado por mais alguns segundos, escrevendo um último parágrafo. Levantou-se, foi até sua gaveta de remédios. Ingeriu três cápsulas doantidepressivo tarja preta que lhe fora receitado quando começara a sofrer crises de síndrome do pânico, meses atrás. Virou um copo de vodka barata que encontrou no congelador. Esperou alguns minutos, foi até a sacada do apartamento onde morava, no sexto andar de um prédio mal acabado e se deixou cair para o fim, ou para a eternidade.
Horas depois a polícia investigativa entrou em seu apartamento para angariar provas acerca do ocorrido. Um dos investigadores encontrou maconha no criado mudo, ao lado da cama. Foi averiguado que ele não fizera uso da erva na noite do ocorrido, mas, caso nada fosse constatado, pelo menos eles já tinham uma desculpa satisfatória para dar. “Uso abusivo de drogas ilícitas” é socialmente aceito e não pede muitas perguntas. Não que eles se preocupassem, afinal, também já haviam constatado logo de cara que se tratava de um ninguém, então não haveria mesmo quem fizesse lá muitas perguntas, fosse o que fosse.
O computador estava na tela de descanso. O único policial que parecia estar realmente intrigado com o caso mexeu no mouse e viu o documento aberto. Leu o que havia no documento com atenção, e percebeu que se tratava de um conto. Depois de cinco páginas de intensa descrição dramática, chegou ao final e anotou o último parágrafoque encerrava o escrito numa caderneta que carregava no bolso do casaco.
Juntou-se aos colegas que comentavam sobre o que se passou e começou a contar a história que lera de autoria do suicida sobre um anjo negro nomeado Esperança em latimcontra uma legião de anjos brancos maledicentes. Por fim, sobram só ele, a Esperança, e o arqui-inimigo, o Medo.
Nossa, esse menino tinha muito talento! – Disse abismado um dos colegas do policial - Mas como acaba a história?
- Acaba sem acabar – Respondeu o policial.
- Como assim, tenente?
O policial saca sua caderneta do bolso do casaco, olha para seu colega questionador e abaixa a cabeça para a frase que anotara. Respira fundo e lê em voz alta:
- “E assim, os anjos digladiam-se eternamente, pois ambos estão acima da vida e da morte. Se não creem em minhas palavras, caros jurados, analisem novamente. Eu morri, mas meu Medo e minha Esperança não. Ambos continuam digladiando-se agora na cabeça dos senhores. Portanto, cabe aos senhores decidirem quem vence no final e, tenho certeza, que para cada um, o vencedor será diferente.

Fim.

(Arthur Valente)