As falas se entrelaçam num repente descontínuo. As intenções
se confundem, se cruzam e se afastam escondidas sob vestes verbais que, em
nossas mentes, não passam de disfarces propositalmente mal estruturados para
que concretizemos de uma vez por todas aquilo que em nossos corpos transborda
pelos membros e escorre pelos olhos.
Nos olhamos como quem pensa querendo sentir, pois
usamos a oralidade, a princípio, como
consequência da língua, sendo que gostaríamos que nossas línguas fossem
ferramentas para outro fim muito mais antigo e sincero do que a linguagem
jamais poderá ser. E é o gaguejar uma constante, pois falamos à beça – e
depressa – enquanto em nossa íntima racionalidade gostaríamos só de pensar que
não gostaríamos mais de estar racionalizando coisa alguma; E apesar de
conhecermos a solução imediata, ainda nos vemos presos aos medos encucados pela
sociedade.
Me toca os braços e, como de forma natural, meu corpo
responde ao gesto com um arrepio desenfreado que perpassa por todos os
sentidos. Posso sentir que teu cheiro agora mudara também, assim como o meu
olfato. Não precisamos mais dos olhos pra denunciarmos a nós mesmos e, por um
momento, tão sublime e ágil como a carícia ainda insegura que faz a minha mão
nas tuas costas, nos libertamos de todas as precauções introjetadas, expulsando
a vergonha de nossa própria estética pra dar lugar ao apetite antes latente de
nos fundirmos numa só figura.
Nossos corpos finalmente se põem a dançar como num ritual
dionisíaco, onde o sacro e o animalesco formam uma dialética tão intrigante
quanto sedutora e tão agressiva quanto carinhosa. Tão mundana e torpe quanto
divina e sensata num diálogo em que os sons grunhidos ecoam como se fossem
orações.
O suor antes frio
parece ter evaporado junto com o peso dos receios que nos cerceavam o prazer
que tanto gritara para ser posto à experimentação. Queremos que nossas
essências inflem a ponto de explodirem em fenômenos que fogem, ao mesmo tempo
em que respeitam, a todas as regras de causa e efeito. E no lugar deste suor
que agora desaparecera, brota um outro, mas quente e caprichoso, que nos
permite o deslizar suave pela pele que esconde um universo muito mais intenso e
interessante do que seu conteúdo biológico apresenta.
Me explora as partes todas que o cotidiano força a esconder;
A tua boca macia e molhada fomenta em conjunto uma textura que, em meu imaginário,
se assemelha ao toque das nuvens. Pois, então, que te peço pra chover em mim
por inteiro, para que eu possa me afogar em tuas profundezas e sufocar ao
sentir em meus pulmões todo o tesão de amplitude mais cósmica.
Nos desmanchamos e nos diluímos em derretimento mútuo
concebido pelo prazer mais sólido. Não sei mais distinguir que partes me
pertencem e quais são suas, pois vejo agora nossos corpos como espelhos que na
verdade são portais, um para a dimensão do outro. Complementares, fundidos e
difundidos para todos os espaços do cômodo no qual nos encontramos. Exaltados
numa só projeção viva que se digladia consigo própria buscando ferozmente a
mais expansiva satisfação.
Eu te amo com todo o meu corpo, por momento, e sei, pelo
comportamento do teu, que a recíproca é verdadeira. O que mais pode nos bastar
no presente do que nossa presença dúbia por ser una enquanto duas?
Me agarra, me morde, me arranha, me afaga, me acaricia, me
vive pra que eu possa desfalecer em paz! Afinal, o sexo é a única guerra onde,
se há respeito e vontade de ambas as partes, a tendência é que todos os lados
saiam ganhando. Me toma pra ti e te entrega a mim como se nunca antes
tivéssemos sido algo além de um elo. Como se não houvesse sociedade para
repreender, nem história pra oprimir, nem passado pra carregar, nem futuro pra
planejar. Me deixa sedento da tua saliva doce. Me endossa com as tuas frases
ácidas que me sussurra ao ouvido só pra ver meu corpo enveredar e se distorcer.
Me rasga o corpo pra que a alma possa sair de uma vez. Pra
que eu veja a sua também ascender ao ver a minha nua. Faz com jeito o todo pra
que eu te peça pra fazer com força e deixe que depois se invertam, revertam e
confluam os papéis de nossa performance transgressora e genial.
Me deixa ser a condição de existência do teu fluxo de vida e
me pede pra que eu te deixe ser a máxima de minha própria vivência. Faz de mim
teu refúgio mais confortável e me deixa fazer de ti a minha morada temporária.
Me deixa estar você mesmo que depois o “ser” nos provoque um afastamento. [Que
sejamos objetos e sujeitos um do outro para provar que o tempo ficara só no
relógio, tanto quanto o espaço assume um semblante de ilusão.]
Goza pra que eu possa alegremente gozar do teu gozo e para
que nossos prazeres fluxuosos tomem a proporção de rios e mares que se juntam
para formar paisagens tão memoráveis, quanto sedutoras e que mesmo quando tal
paisagem fugir ao nossos olhos limitados ao momento, que viva para sempre presa
em nossas almas como a um símbolo de liberdade concebido pelo mundo para nos
servir de combustível para nele permanecer. Fazer de tal símbolo um marco do
que há de melhor para se vivenciar e torcer para que o gozo, através de nossa
memória, ganhe lastro histórico.
Explodimos em deleito marcante e é incrível como, ainda
assim, permanecemos colados como se dependêssemos um do outro para estarmos
completos. Acaricio cada parte de ti tanto quanto ou mais do que se fosse minha,
e me vira o rosto para sorrir um sorriso embriagado e exausto.
Como geralmente ocorre, o discurso é incapaz de ressaltar à
materialidade aquilo que em nós já se eternizara. Continuamos a nos diluir e
misturar numa alquimia de dar inveja a qualquer feiticeiro ou feiticeira que se
desdobre para o desenvolvimento de tal arte. Pouco importa por quanto tempo
seremos mistura. O que parece mais importar é o fato inabalável de que, mesmo
depois que voltarmos à nossa própria particularidade individual, teremos guardados
conosco, cada um, detritos deixados por essa junção que nos acompanharão, se
tiverem mérito para tal, pelo menos até o último suspiro de nossa presença
terrena.
(Arthur Valente)
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