terça-feira, 19 de novembro de 2013

A Origem de Todas as Guerras

A luz resplandecia em meio ao metal raro cuja cor enraizava-se no tom de preto mais escuro, de forma que a própria noite invejava sua obscuridade lúcida. Porque não era negro nos aspecto de triste, pelo contrário, a veste emanava energias tão intensas de positividade que era possível avistar uma camada de energia palpável e de dureza tamanha que a própria dureza se julgaria mole ao colidir com tal barreira.
O vento noturno soprava aos prantos e seus gritos resvalavam nas árvores imensas em volta, não só era possível ouvi-los, podia-se entendê-los de forma tão inteligível e completa que admiraria os mais célebres poetas de todos os tempos e faria os mais estudiosos da comunicação abandonarem tudo o que aprenderam. Ele os ouvia, em silêncio, e, apesar de sentir sua dor, não se deixava abater, pois sabia que em sua natureza, mergulhando à mais profunda camada de sua essência, nada podia detê-lo. Sempre existira, como o verbo, mas vinculava-se entre os substantivos, o que lhe dava caráter sólido e contraditoriamente, por ser abstrato, lhe dava o poder da maleabilidade.
A coragem transbordava por sua pele de tom pouco mais claro que a armadura que vestia e, por ter tamanha força, ultrapassava até mesmo a barreira que o circundava. Suas sobrancelhas, por tamanho e expressão, refletiam a calma e a compaixão sensível que saltavam do plano mais fundo de seu âmago, porém, sua barba era extensa e lhe conferia a credibilidade e a virilidade devida, afinal, não faltava vontade à sua personalidade e, ao mesmo tempo, bem traçada e lhe dando a estética que representava seu lado mais próximo do que poderia nomear concreto. Seus olhos eram penetrantes e sedutores como a de um rei sábio e de cor ininteligível a olhos mortais, iluminados, mas escuros, como uma luz negra ou algo do tipo.
Seu corpo era esbelto e leve, mas sua dimensão de altura era quase astral. Ele era belo e humilde e não portava armas, pois seu ataque às forças contrárias era sua resistência... Mal podia ser tocado, quem dirá morto.
Suas asas, igualmente negras, explodiam em poder existencial. Ele podia voar mais do que qualquer outro.
Era o ser mais belo que já se havia visto, de qualquer ângulo que se visse e de qualquer interpretação prévia de beleza que se tivesse, mas para cada outro que o enxergasse, sua aparência mudava e até mesmo suas dimensões se alteravam. Apesar do poder, parecia não ter controle e, como se alterava na forma, a dúvida que mais girava em torno de si, muitas vezes, era até que ponto seria palpável e, por ironia, a resposta dessa dúvida lhe dava a base da fonte de poder, ou seja, por não ser verdadeiramente concreto, apesar de realizar, por muitas vezes, ações concretas, era imbatível. Não precisava agredir porque ninguém conseguia realmente mata-lo. Ele nunca deixaria de existir, não importa o quanto tempo passasse.
Sua única fraqueza era também uma de suas forças vitais. Como se nutria somente pela existência de outros seres, quaisquer que fossem, bons ou maus, só poderia ser morto se todos, sem exceção, fossem liquidados. Um mínimo sopro de vida poderia rapidamente reacende-lo à força extrema.
Era constantemente desafiado, mas, de forma óbvia, sempre vencia pelo cansaço daqueles que os tentavam derrubar e se engrandecia ao passo que apesar de exauridos, os inimigos, por tentarem dar cabo à sua existência, permaneciam vivos, portanto, nutrindo-o com sua vivacidade.
Porém, existia um ser que podia feri-lo a tal ponto de fazê-lo provar, mesmo que não totalmente, o gosto amargo que a morte tem. Era justamente este o ser mais insistente em desafiá-lo e, sem sombra de dúvida, o único que poderia comparar-se a ele – mesmo que por motivo exclusivo de arrogância – em matéria de poder.
Tal ser portava uma armadura de tom claro que ofuscava a vista a luz do luar e irritava tanto aos olhos quanto a alma. Tinha em seu envolto também, uma camada de proteção que funcionava baseada no crescimento pela fraqueza. A medida que era almejada sem a força necessária fortificava-se e crescia, mas, caso contrário, se a força fosse suficiente, o golpe era letal a ponto de fazer com que perdesse a força, quase que totalmente, em um de seus pontos de ação.
Não que fosse o suficiente para derrubá-lo por completo, pois havia muitos pontos dentro dele capazes de atos imensamente cruéis e intensos e, desde o início dos tempos, nada conseguiu causar um dano verdadeiramente significativo às suas práticas, logo, à sua existência.
Pois sim, sua existência dependia de suas ações. Por isso era tão claro. Pois precisava ser visto e temido para alvejar a todos que virassem seus alvos. E eram muitos, senão todos os vivos, vítimas de suas agressões.
Ele tinha um ar de superioridade que aparecia visualmente através de seu nariz longo e empinado. Tinha os maxilares brutos, capazes de triturar qualquer coisa que ele se prestasse a morder e sua mordida espirrava uma substância leitosa, capaz de paralisar a vítima, desde só superficialmente, até a catatonia mais elevada. Os dentes abrangentes e manchados lhe davam o caráter justo de monstro.
Sua pele era clara como a neve e os olhos frígidos, num tom que se assemelhava a um rosa essencialmente enganador. Tinha a pele lisa, sem pelos, pois quanto o maior o frio do ambiente a sua volta, maior sua capacidade de destruir. Tinha o corpo flácido e inchado, mais pesado que toda a matéria do universo unida num só ponto.
Em uma mão carregava uma arma cuja função era machucar o adversário com raios de fisionomia delirante e insana e, na outra, segurava com firmeza uma espada com a lâmina mais afiada de todo o universo, forjada pelos ofícios do Ódio, um de seus aliados, e dada de presente a ele, por muitos auxílios prestados.
Seu peso não lhe permitia voar, mas como sua arma de curto alcance estendia-se de acordo com a necessidade, lhe era fácil atacar por quaisquer meios elementais – ar, água, terra, fogo – que fossem.
E ele vinha voraz e furtivamente. Babava num semblante tal que assustaria o pior dos psicopatas.
Do ponto mais alto do céu, o guerreiro angelical negro e imenso, ecoa uma voz benevolente e firme:
- Não adianta se arrastar como um fantasma. Bem sabes que sou o único que te reconhece a larga distância. Não existe ocasião em que possas se esconder de mim, Metus.
Sedento, o anjo branco solta um grito aterrador por entre os dentes sujos e monstruosos. Um grito tão potente que se  alastra por todo o meio e cala até mesmo a voz  atordoante da noite.
- Assustas a noite ao bel-prazer e deixa-a a deriva de seus sentimentos, mas não consegue fazer o mesmo comigo. Portanto, a não ser que seja por mera firula, não gastes mais teu fôlego, General das Legiões da Desgraça.
E então que, numa pose ereta digna de título nobre, o anjo negro abre os braços afetuosamente e sua barreira energética se expande a um nível dimensional indescritível.
- Pois venha, monstro. Não há nada que possas fazer para acabar comigo. Abro os braços, pois aceito a qualquer um meus domínios. Até tu se deixares de lado essa tua natureza nociva.
O monstro levanta a espada que quase alcança a altura do anjo benfeitor e branda um sorriso diabólico seguido de um grito histérico e esquizofrênico.
- Hoje preparei algo especial pra ti, Sper! General da Legião da Bondade, vais se arrepender de baixar a guarda para um oficial como eu! Sofrerá pela eternidade em minhas mãos, até que não possa mais resistir aos ferimentos profundos e caia para sempre!
E esgoela-se a rir.
A risada grotesca assumi um tom irônico e venenoso. Ser algum pode ouvi-la e ficar apático. A não ser, claro, Sper.
- Pois então, venha. Estou aguardando e não moverei um músculo, como de costume. Diz o General negro num lamento fúnebre por aquele espírito que o ataca, tão ignorante e maledicente.
Eis que Metus retira algo de seu bolso. Algo brilhoso que assemelha a uma pedra preciosa de uma cor amarelo-laranja reluzente. Ultrapassa todas as velocidades conhecidas pela física e desce o braço direito, usando a espada como apoio para um salto perfeito em direção ao seu inimigo. Já próximo, encosta a pedra contra o campo de força. A pedra reage grudando na barreira e, pela primeira vez, esta última é ultrapassada.
O mesmo acontece com Metus. A Pedra que antes estava em sua mão, adentra seu campo de força e cria um canal no núcleo de sua fonte de energia vital, ao passo que suga tal energia e o fere bruscamente.
Os dois criam um elo entre os núcleos e Sper passa a tentar, sem sucesso, se desvencilhar.
- O que é isso, Metus? Perdeu a noção completamente? Essa coisa fere a nós dois!
-Sim, meu caro. Esse é o sacrifício que tenho de fazer para conseguir que tu percas força constantemente e para sempre fique grudado em mim. Assim, por mais que me enfraqueça em alguns lados, esta pedra também me fortalece e me possibilita te atacar, sem trégua, até teu último suspiro.
De novo, o diabo branco emite uma risada catastrófica. O peso sinistro de seu olhar expressa uma feição semelhante a de outro anjo, Gaudiun, o senhor da alegria, mas com a diferença de criar uma mistura bizarra com a maledicência que lhe é conferida.
- Então, sua estratégia é permanecermos sempre juntos? Mas como pode? O que é esta coisa que por agora nos une e, ao mesmo tempo, nos fere?
- É conhecida como Ratio. É a ferramenta principal do progresso, mas nos une porque precisa de muita energia vital para existir e só nós temos a capacidade de fornecer a energia necessária a ela. Mas também nos fere porque a medida que é sustentada, faz com que nossas ações, muitas vezes, sejam mal interpretadas ou percam o sentido. Amaldiçoei a ti e a mim e depois de feito não há como voltar. Que comece o fim!
O Anjo branco dá uma última gargalhada e inicia o ataque. O negro continua a se manter quase intocável; E conforme o tempo passa, Ratio fica mais forte e também fortifica o elo entre os dois anjos que, na mesma proporção, enfraquecem-se.

E lutarão eternamente até que não exista mais vida, nem morte, nem nada.

Fim.


(Arthur Valente)

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